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domingo, 14 de agosto de 2011
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Pais Tóxicos
Em 1966, a inglesa Constance Briscoe, então com 9 anos, chegou da escola exultante carregando um envelope marrom, que se apressou a entregar para a mãe, Carmem. Dentro dele, fotos que a menina havia tirado na escola. Ao olhar as imagens, Carmem repetia: “Jesus amado, eu que pus isso no mundo? Deus, como ela pode ser tão feia? Feia, feia... Você quer que eu compre essas fotos?”, perguntava à filha. Foi apenas uma das milhares de humilhações que a criança sofreu na infância. Ofensas como “vagabunda safada” foram constantes. Ela também era espancada por fazer xixi na cama, uma enurese que se manifestava justamente por causa do medo da violência materna. Socos na cabeça e no peito eram desferidos contra Constance e seus mamilos eram beliscados com força, sempre por motivos banais (ou sem motivo). A ponto de, aos 11 anos, ela tentar o suicídio bebendo água sanitária. Esse retrato de terror está no livro “Feia – A História Real de uma Infância sem Amor” (Ed. Bertrand), escrito por Constance, hoje uma renomada juíza. A obra, que já vendeu meio milhão de cópias em dezenas de países e tem tradução brasileira, é um exemplo de como aqueles que deveriam amar acima de tudo podem ser os algozes dos próprios filhos.
RECOMEÇO
Paulo e seu pai, Francisco: expulsão de casa e reconciliação
Os pais tóxicos, classificação cada vez mais usada na psicologia, agridem física e psicologicamente, causando sequelas que se arrastam por toda a vida. Quando as agressões vêm de pessoas como um cônjuge, ou até um chefe, é possível pedir divórcio ou demissão. Mas se a crueldade está dentro de casa, o que fazer? Constance carregou o trauma durante anos. “Minha maior dor era nunca ter vivido num lar decente”, disse a autora à ISTOÉ. Ao ingressar na Universidade de Newcastle, na Inglaterra, para cursar direito, ela jurou que nunca mais falaria com Carmem. Cumpriu a promessa. Construiu uma carreira vencedora, casou, teve dois filhos. Se submeteu a cirurgias plásticas no nariz, na boca e nos olhos, numa tentativa de modificar o que a mãe dizia ser horroroso. Superou as adversidades relatando suas tristes memórias. Carmem a processou por causa do livro. Perdeu. Nenhum pai ou mãe está livre de falhar, perder a paciência ou a compostura. Mas agir com perversidade ultrapassa os limites aceitáveis – de qualquer relacionamento. “E a humilhação vinda daqueles a quem se ama é muito mais dolorosa”, diz a psicóloga Márcia Marques, da Clínica Medicina do Comportamento, no Rio de Janeiro.
“Aprendi que, para conviver com minha mãe, preciso manter uma distância saudável”
M.N., analista de sistemas, 26 anos
“É como se houvesse uma confirmação para a pessoa de que ela não é boa o suficiente para receber afeto.” A postura dos pais tóxicos deixa graves sequelas, normalmente levadas para a vida adulta. As consequências são agressividade, dificuldade de aprendizado, rebeldia, timidez e um enorme sentimento de culpa. “Sempre que alguma coisa sai do controle, seja no trabalho, seja na minha vida pessoal, acho que o erro é meu”, diz a analista de sistemas M.N. (ela prefere não se identificar), 26 anos. Junto com os três irmãos cresceu ouvindo a mãe dizer que eram incompetentes, burros e que ela deveria ter abortado todos. Até começar a frequentar a casa dos amiguinhos da escola, M. acreditava que esse comportamento era normal. “Ela nunca me fez um cafuné”, recorda. O resultado da violência emocional para a jovem foi a síndrome do pânico, distúrbio com o qual conviveu por dois anos. Mesmo quando os pais alternam atitudes carinhosas e agressivas, o reflexo no desenvolvimento dos filhos é negativo. “A criança nunca sabe o que esperar e nem como agir”, diz o psicólogo Julio Peres, autor do livro “Trauma e Superação – O que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade Ensinam” (Ed. Roca). “Ela cresce num estado de alerta, o que causa uma ansiedade que se torna crônica.”
“Uma vez coloquei um biquíni e minha mãe disse para eu tirar porque estava enorme de gorda”
P.O., escritora, 45 anos
A escritora P.O.*, 45 anos, lembra de a mãe ser amorosa com ela em várias situações. Mas também sabe o quanto ela pode ser cruel quando quer ofendê-la. “Uma vez, aos 11 anos, coloquei um biquíni e ela me repreendeu, dizendo para eu tirar aquilo porque estava enorme de gorda.” Anos mais tarde, a escritora enfrentou a anorexia e a depressão. Há diferentes explicações para compreender por que esses pais agem assim. Caso uma criança tenha nascido num momento de dificuldade financeira, perda ou tristeza, eles podem criar bloqueios para a construção de uma ligação afetiva. “Eles atribuem o problema à vinda do filho”, diz a psicóloga Rosa Maria Mariotto, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Outra hipótese é que esses pais também tenham sido maltratados na infância. Eles assimilam o que sofreram como sendo a forma de educar e passam de vítimas a agressores. E a última possibilidade é admitir que há realmente pessoas desprovidas de afeto. “Mães e pais perversos existem”, diz Rosa. A constatação coloca na berlinda o chamado amor incondicional. Esse sentimento, dizem os especialistas, é uma construção moldada de acordo com os desejos de cada um. Não é intuitivo, como defende a crença popular. “É uma questão cultural, imposta pela sociedade”, diz a psicóloga Márcia. O amor incondicional só existe se os pais desenvolveram ao longo da vida recursos para lidar com as adversidades e as mudanças. Porque um filho muda tudo.
TRAUMA
Constance e sua mãe, Carmem: a violência foi tanta que a filha teve de expurgá-la num livro
E quem não está preparado para se doar no papel de mãe ou pai, abrindo mão de uma série de vontades, acaba considerando o nascimento da criança um estorvo. “É um erro acreditar que o fato de uma mulher dar à luz faz dela naturalmente uma boa mãe”, destaca a juíza Constance. Aprender a lidar com esse sentimento é fundamental e as terapias em família são indicadas quando surgem problemas. Já para quem chegou à vida adulta traumatizado pela relação tóxica, a psicoterapia é um caminho. Se transtornos mentais mais graves forem manifestados, são necessários o diagnóstico e o tratamento com remédios, determinados por um psiquiatra. Para muitas das vítimas, o tratamento inclui passar a ter uma relação superficial com os pais. “Aprendi que, para conviver com minha mãe, preciso manter uma distância saudável”, diz a analista de sistemas M., que voltou a falar com a mãe em novembro, depois de dois anos afastada. Em outras histórias, cortar relações é o único meio de alcançar equilíbrio emocional. Foi o que fizeram Constance e a escritora P. Mas superar as tristezas também é possível. A reconciliação do agente de saúde catarinense Paulo César Nascimento, 30 anos, com o pai, Francisco, 54, é a prova.
Filho mais velho, Paulo (que é gay) cresceu pressionado pelas expectativas do pai, homem de uma geração em que ser “macho” e provedor era lei. Francisco não dizia nada, mas se irritava quando o filho parecia mais sensível que os outros meninos. “Cheguei a apanhar por ser chorão”, lembra. Ele sempre ouvia do pai “prefiro um filho morto a um filho gay”. Aos 18 anos, não suportou mais. Deixou clara sua opção durante uma discussão e foi colocado para fora de casa. Em 2004, aconteceu a última briga grave entre eles. “Por um ano, o risquei da minha vida totalmente”, lembra Paulo. Após o longo silêncio, o pai procurou o filho e pediu desculpas. “Sei que não foi fácil para ele e imagino que ainda não seja. Mas valorizo seu esforço e percebo o quanto ele me ama”, diz o rapaz, orgulhoso do pai, que mudou de atitude sozinho. Um raro exemplo de final feliz nessas relações traumáticas. Mas que mostra que o amor pode curar até as piores feridas.
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Escrever ajuda a lidar com emoções!
RESOLVENDO DESENTENDIMENTOS
ESCRITA PERMITE CONTATO COM A DOR
sábado, 25 de junho de 2011
sábado, 18 de junho de 2011
Violência: quem não morre adoece
Médicos defendem rede de saúde para acolher sobreviventes de traumas como assalto, sequestro e assassinato de familiares
saude.ig.com.br
Fernanda Aranda, iG São Paulo | 05/06/2011 07:30
Todos os anos no Brasil, 49.966 pessoas são assassinadas. De forma imediata, só este tipo de ato violento, tira a vida de 137 crianças, jovens, adultos e idosos por dia.
De maneira lenta, esta mesma violência adoece incontáveis pais, amigos e parentes destas vítimas. Eles escapam da fatalidade, mas amargam todas as outras sequelas do trauma.
A violência vista com o olhar da saúde é uma doença de múltiplos sinais, que vão além do óbito. Quem sobrevive – ou por vivenciar ou por ter relação com quem o fez – pode enfrentar depressão, síndrome do pânico e ansiedade. Sinais físicos também são consequências, como hipertensão, anorexia, enxaqueca, além de dores crônicas e persistentes.
“Se alguma doença transmissível ocasionasse este volume de mortes (e sintomas), teríamos uma situação de comoção nacional”, apontam Nereu Mansano e Alessandra Schneider, responsáveis pelo setor de violência, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
É para este leque de síndromes desencadeadas pelos traumas que os médicos estão empenhados em encontrar tratamentos em rede e eficazes. O desafio mais imediato, afirmam os especialistas, é fazer com que estas “vítimas secundárias” da violência deixem o anonimato e virem pacientes.
Elas podem estar espalhadas por todo o País, sofrendo por terem sido assaltadas, sequestradas, agredidas ou por terem relação com um dos 37,5 mil mortos anualmente no trânsito, ou ainda com 9,3 mil que se suicidam por ano (dados parciais de 2009 do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde, computados pelo Conass).
O silêncio
“Infelizmente, muitas pessoas, ainda por desinformação, deixam de procurar assistência adequada exacerbando assim o sofrimento e as sequelas traumáticas”, afirma o doutor em neurociência especializado em violência, Julio Peres.
“Por outro lado, as pessoas que buscam auxilio especializado aumentam muito as chances de superarem a dor e desenvolverem suas vidas”, completa Peres. Além de atender as vítimas, ela também capacita profissionais de várias áreas da saúde para que possam reconhecer os sinais do trauma em pacientes que frequentam consultas triviais, seja durante uma visita ao dentista ou ao cardiologista, por exemplo.
Quando toda a estrutura de saúde é treinada para reconhecer que aquela pressão alta pode ser resultante de um sequestro no passado, o tratamento, neste caso, não será restrito à dieta saudável e ao anti-hipertensivo. O paciente pode ter acesso ao tripé composto por psicoterapia individual, terapia em grupo e remédios antidepressivos, que tanto tem ajudado os encaminhados aos serviços médicos voltados à violência.
Os sintomas
Uma das experiências de êxito é gratuita e realizada no Programa de Atendimento à Vítima de Violência (Prove) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O acolhimento é feito para todas as pessoas que procuram espontaneamente o serviço ou são encaminhadas por outros hospitais, com o objetivo de definir se são casos agudos (ou seja de efeitos mais curtos) ou crônicos (duradouros).
“O medo ou a dor inicial são reações comuns ao estresse sofrido, o que chamamos de transtorno de adaptação, que serão amenizados com o passar do tempo”, explica Jair B. Neto, psiquiatra do Prove.
“Mas nos que adoecem de forma crônica, estas sensações não passam, ou podem aparecer tardiamente e sempre acarretam prejuízo social. A pessoa não consegue mais trabalhar, deixa de sair de casa, de fazer coisas que sempre fazia.”
Os efeitos crônicos podem ser resultantes até mesmo da negação da vivência do trauma – e por isso a manifestação tardia – afirma Adelma Pimentel, diretora da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará e autora do livro Violência psicológica na relação conjugal (Ed. Summus). Segundo ela, uma sequela possível “dos olhos que não querem ver e da boca que não quer falar” é a compulsão.
“A pessoa come exageradamente, bebe mais, tem relações sexuais com qualquer um, gasta dinheiro que não tem, usa drogas. Qualquer coisa para esquecer. Mas o efeito vai rápido embora e, para não lembrar, começa a reedição do ciclo das violências privadas.” Tudo por causa do trauma.
O tratamento
Não há como prever quem vai adoecer cronicamente por causa da violência. De acordo com os estudos de Júlio Peres, 10% desenvolvem algum tipo de transtorno pós traumáticos (TEPT). Mas também não há como esperar para saber quais vítimas vão entrar para esta estatística e só assim agir.
"Nosso estudo enfatizou a importância da brevidade do atendimento psicológico especializado”, afirma Peres em referência ao trabalho feito com policiais militares que viveram, em 2006, os ataques
Três meses após os ataques, 36 policiais que atuaram no episódio foram selecionados. Um grupo fez tratamento psicoterápico e outro não. Exames de ressonância magnética, realizados 40 dias depois, mostraram alterações físicas e cerebrais importantes. Quem fez terapia tinha mais ativa a parte do cérebro responsável pela superação e enfraquecimento da memória traumática (córtex médio préfrontal). Quem não fez tratamento, mostrou maior atividade da amígdala (envolvida na expressão do temor), sujeito a danos psicológicos e físicos.
É fato que para chegar ao tratamento especializado e eficaz para os sobreviventes da violência, o número de psiquiatras e psicólogos na rede pública e privada precisa ser ampliado, é preciso sensibilizar conselhos tutelares, professores e toda a sociedade.
“Tratar deste assunto já no pré-natal é uma forma não só de cuidar como também prevenir a violência”, acredita Saul Cypel, neurologista infantil e consultor da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, que acolhe crianças vítimas da violência.
A proposta do Conselho de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) é que as equipes de saúde da família sejam capacitadas para servir de ponte entre os pacientes que adoecem por causa da violência (e possam estar escondidos) e os serviços especializados. A vivência do psiquiatra Jair B. Neto indica que o atendimento a estes resgatados do anonimato não pode ter prazo de validade.
“No Prove, temos pessoas que sofreram a violência há 20 anos e só sentiram os efeitos agora.”